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Lâmpada


Chegou em casa. Tirou a chave do bolso. Encaixou no buraco da fechadura. Girou. Abriu a porta. Estava tudo escuro. Tateou a parede interna ao seu lado direito em busca do interruptor de luz. Achou. Apertou. “Clic”. Nada. “Clic” “Clic”. Nada de novo. “Clic” “Clic” “Clic” “Clic” “Clic”. Nem um feixe mínimo de luz que fosse. É. Parece que a luz queimou. Droga!
Entrou e foi andando com todo o cuidado. Sua pupila ainda não havia se acostumado com a escuridão. Apesar de morar no mesmo apartamento há mais de quatro anos, não tinha decorado a posição dos móveis a ponto de andar com segurança sem esbarrar em nada como se estivesse de olhos fechados.
Apesar do cuidado, foi inevitável bater o dedinho do pé na mesa de centro da sala. E, mais inevitável ainda, soltar um sonoro palavrão. Não bastava ter que trocar lâmpada depois de um dia cansativo de trabalho, precisava machucar o dedinho, né?!
Conseguiu chegar sem mais lesões até o armário onde ficam guardadas a velas, lanternas e também as lâmpadas. A lanterna, pra variar, estava sem pilhas. E pior é que as pilhas eram daquelas grandonas. As do controle remoto da TV não serviam, portanto, não dava pra pega-las, como sempre fazia quando precisava de pilhas. Pegou então a vela e uma lâmpada. Mas a caixa de fósforo que costumava ficar ao lado da caixa de velas não estava lá. Lembrou que a tirou de lá uma vez que os fósforos da cozinha tinham acabado.
Mais uma odisséia no escuro até chegar a cozinha para encontrar alguma coisa que fizesse fogo. Fósforo não tinha mais. E o isqueiro havia sumido. O jeito foi acender direto no fogão, no sistema de acendimento elétrico. Deu certo.
Voltou até a sala. Agora com mais velocidade, já que contava com o auxílio da vela.
A altura da escada que tinha em casa não era suficiente para trocar a lâmpada. Então, pegou uma cadeira e colocou em cima da mesa de centro. Subiu. Quando encostou na lâmpada para retira-la do bocal, “Clic”, acendeu!
Era só um mal contato.

Lenço


Ela estava louca para chegar em casa. O trajeto entre a faculdade e esquina de sua rua, que normalmente levava 15 minutos para ser completado, durou eternos 23 minutos. É que estava chovendo. Já viu, né?! Mais carros na rua; o trânsito engarrafa; fica difícil enxergar; os motoristas andam mais devagar, com mais cautela... Essas coisas não tem muito como controlar. Assim como não tinha como controlar a dor de barriga que ela estava sentindo. Ela até tentou ir no banheiro da faculdade. Mas, pra variar, não tinha papel. Aí não tinha jeito. Pensou nas folhas do seu caderno. Mas achou melhor não. Se segurou como pôde. Afinal, ainda estava na hora do intervalo. Tinha mais uma aula pela frente. Tentou pensar em coisas boas. Não funcionou. O barulho que vinha da sua barriga estava atrapalhando. Então foi em direção a rodinha formada por seus amigos. Lá até conseguiu se distrair e esqueceu por alguns minutos o desconforto intestinal. Na verdade, não via a hora de chegar em casa! Finalmente acabou a aula. Mas, como sempre, na hora de ir embora estava chovendo. Até cogitou a possibilidade de ir atrás da moita no estacionamento pra adiantar o serviço. Pouco importava se estava chovendo. Pelo menos lá tinha as folhinhas a disposição. Mas alguém podia ver. O mico do século. Ainda mais nos dias de hoje. Ela já imaginou pessoas sacando os celulares para filmar e tirar foto para depois colocar na internet. Sua reputação estaria arruinada. A dor de barriga até melhorou depois de pensar nisso. Conseguiu chegar até a esquina de casa intacta. Quando avistou seu prédio começou a correr. Atravessou a portaria. Deu boa noite ao porteiro. E deu sorte do elevador estar na portaria. Já foi preparando as chaves durante a subida. Passou pelo corredor como um jato. Entrou em casa. Os metros que separavam a sala do banheiro nunca foram tão longos e cheios de obstáculos (leia-se mesa de centro, tapete, tênis jogado, cachorro...). Chegou ao banheiro já suando e com as calças no meio das pernas. Foi o tempo exato de sentir o alívio! Ufa! Quando esticou o braço para pegar o papel, a grata surpresa: sabe quando um infeliz usa o banheiro, vê que o papel está acabando e faz questão de deixar aqueles dois últimos quadradinhos amassados que ficam no rolo por preguiça de trocar? Pois é. Os dois quadradinhos estavam ali. Se fosse num dia comum, tudo bem. Mas justo hoje que ela precisaria de muito? Ela levantou, abriu o armário, olhou lá dentro e cadê? É. Tinha acabado. E agora? A solução menos dolorosa seria procurar por aquela caixa de lenços de papel que sobrou da última gripe. Fazer o quê? Melhor que pegar os guardanapos da cozinha.