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O gás

Quando o gás da sua casa acaba o que você faz?
Vai lá na porta da geladeira, procura no meio dos ímãs com telefone de tele-entrega de pizza; hamburguer; galão de água; o que tem formato de coqueiro, que a sua tia trouxe de lembrança de Fortaleza; o que o seu irmão fez na escola pra dar pra sua mãe de presente de Dia das Mães e aquele com formato de vaca, que faz "MUUUUU" se você aperta, que sua mãe comprou no auge da Ana Maria Braga na Record [mas que não faz "MUUUUU" mais porque já estragou], aquele com formato de botijãozinho, que tem o telefone do tele-gás, certo?! Aí você liga e pede pra entregarem na sua casa. Em no máximo duas horas o entregador toca a campainha, entra, tira o botijão vazio, coloca o cheio, pega o dinheiro e vai embora. Pronto! Você já pode usar o seu fogão normalmente.
Mas se engana quem pensa que é fácil assim em todos os lugares do mundo. Vou contar pra vocês o drama de quatro estudantes estrangeiras na Espanha. Tudo começou no sábado à tarde. Estávamos felizes cozinhando nosso almoço, quando de repente, o fogo começa a ficar fraco. Fraco, fraco. Fiquei na peleja alguns minutos, mas desisti. A comida já estava num ponto comível. Então desliguei o fogão e fui almoçar.
À noite, horário que as belgas fazem a refeição delas [elas não almoçam], eis que se ouvem gargalhadas na cozinha. Até aí nada de anormal, já que elas são muito felizes. Até que uma das Charlottes vem até a mim e pergunta se o gás tinha acabado. Eu disse que achava que sim, porque o fogo tava fraco a hora que eu fiz meu almoço. Aí ela perguntou como proceder. Eu logo pensei no imã de geladeira em formato de botijão. Mas aqui eles não têm imã de geladeira em formato botijão. Mas antes de chegar a essa conclusão pensei: "será que na Bélgica não tem tele-gás? Como eles fazem?".
Depois de algumas divagações mentais, lembrei que a dona do apartamento tinha deixado um papel com o nome da empresa que distribui as "bombonas de butano". Procurei o bendito do papel. Quando achei, tinha um número de telefone esquisito. Olhando melhor, percebemos que tinha uma data e que essa data era de 1900 e Guaraná de rolha. Descartamos. Então procuramos no catálogo. Mas como era final de semana, e para os Espanhóis o descanso é sagrado, deixamos pra ligar na segunda-feira. Enquanto isso viveríamos de lasanha de microondas.
Chegou segunda-feira. Tentamos ligar nos números do catálogo. Não atendiam. Estava na hora da siesta [outra divagação: pensa bem. Pra você descobrir que não tem gás, você tem que estar usando ou tentando usar o gás, certo? E qual a hora mais comum para se usar o gás? A hora do almoço, correto? Por isso, vai dando 11h, 11h30, você já ouve ao longe a musiquinha do caminhão de gás no Brasil, de acordo? Agora me explica como as distribuídoras de gás fecham na hora do almoço, gente?]. Os que atendiam diziam que não faziam entrega [todo mundo tem carro na Espanha, pra ir buscar o botijão?].
Pensamos em perguntar pra vizinha. Mas estava na hora da siesta [jamais toque a campainha na casa de espanhol na hora da siesta]. Resolvemos deixar pra mais tarde.
Chegou "mais tarde". Tocamos. Explicamos a situação e a mulher nos deu um número desses pra pedir informações. Ligando pra lá eles nos forneceriam. Só tinha um detalhe: o número só recebe chamada de telefones fixos e aqui em casa nós só temos celular. Isso já era segunda à noite.
Aí apelamos pra todos os recursos. Até no Facebook eu postei, perguntando se alguém sabia um número que a gente poderia ligar. Conseguimos um número que a gente ainda não tinha tentado. Mas já era terça-feira à noite...
Na quarta de manhã, outra tentativa. Agora sim! Deu certo. Mas eles só poderiam entregar no dia seguinte. É. Na Espanha eles são muito tranquilos. Depois de vários dias comendo lasanha de microondas, procurei uma receita na internet e fiz um macarrão de microondas, pra variar um pouco. Por incrível que pareça, ficou bom.
No dia seguinte, cheguei em casa na certeza de que poderia cozinhar. Mas me deram a notícia de que o cara chegou super mal humorado, colocou o botijão e já ia saindo sem "conectar" na mangueirinha. Aí pediram pra ele "instalar". Ele disse que não era função dele, que ele já tinha explicado mil vezes, fez uma demonstração rápida, pegou o dinheiro e foi embora. E largou o botijão sem instalar. E nenhuma de nós quatro sabia como fazer [as belgas não sabiam nem que tinha que ligar pra pedir um botijão!]. As meninas tentaram, mas o fogo não acendia. Ao que tudo indicava não estava vazando. Mas era melhor pedir pra alguém com "experiência" pra fazer pra gente, né?! Batemos no vizinho da frente, mas ele não estava..
Quando já tínhamos perdido as esperanças de almoçar, a campainha toca. Olhei no olho mágico. Não era a moça, Testemunha de Jeová, que sempre bate no nosso apartamento [toda vez que a campainha toca achamos que é ela]. Era o vizinho! Como se fosse a coisa mais simples do mundo, ele tirou o treco [sei lá como chama aquilo] e encaixou de novo no botijão. Testamos e deu certo!
Ufa! Depois de quase uma semana, podemos voltar a comer "decentemente".
E nada de lasanha de microondas por um bom tempo.


La Bombona!


*Anote este número: 923 222 200. Se você morar em Salamanca, ele poderá ser muito útil.

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