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A saga do mineiro pelo Sudeste

Uma vez me perguntaram: “fala um ponto positivo e um ponto negativo do Rio?”. Eu, sem pensar muito, respondi: “Negativo – trânsito. Positivo – praia.”. Assim, objetivamente, com apenas uma palavra para cada um dos itens.

A coisa da praia é porque sou mineira. E mineiro não pode com praia. Pode estar chovendo, o mar pode ser marrom, a água pode ser fria, mas a gente se encanta muito com esse negócio de areia e água salgada. Tem aquela história de que a grama do vizinho é sempre mais verdinha. No caso do mineiro é como se a gente morasse numa casa sem grama e grama do vizinho na verdade fosse a “água do mar” do vizinho. Sempre invejaremos (até o dia em que conseguirmos anexar o Espírito Santo!).

Já o trânsito dispensa apresentações. O trânsito dessa cidade é coisa sem explicação. Ou melhor, tem explicação. A cidade é como um circulo em volta de uma floresta com uma pedra no meio. No caso, a pedra é aquela que tem o Cristo em cima, conhecida como Corcovado, sabe? Aí, se acontece alguma coisa que atrapalhe o trânsito de um lado da cidade, certamente repercutirá do outro lado da cidade, como efeito dominó num formato circular. Mais cedo ou mais tarde todas as pedras de dominó estão caídas, esperando o engarrafamento passar.

E aí é que vem uma questão importante: quando um mineiro tem que escolher entre Rio e São Paulo ele fica com o Rio. De acordo com a minha teoria, o motivo é muito simples: porque São Paulo tem trânsito e não tem praia. Neste momento sempre aparece alguém pra dizer: “Ah, mas em São Paulo você pega a estrada e em uma horinha está na praia”. Sem contar o engarrafamento, né?! Pode até ter praia a uma horinha, mas soma-se a isso o engarrafamento formado por todas as pessoas que tiveram essa mesma ideia e você demora oito horinhas pra chegar na praia. Se bobear e resolver vir pro Rio é capaz de chegar mais rápido do que nessa praia aí de uma horinha de distância.

Até tem mineiro que prefere São Paulo. Porque dizem que São Paulo é bom pra trabalhar. E mineiro gosta muito de trabalhar. Trabalha tanto quanto qualquer paulista.  A diferença de mineiro pra paulista é que mineiro é mais na dele. Não tem muito esse negócio de competição, não. Se matem aí vocês. E se precisarem de alguma coisa (que não seja ajudar a matar o coleguinha) avisa pra gente, valeu?

Temos nossas diferenças com os cariocas também. No Rio a gente passa por um árduo processo de adaptação. Tem que se acostumar com os palavrões, o tom de voz alto, os cabelos bagunçados, a informalidade e intimidade das pessoas que nem nos conhecem direito mas já nos consideram pra caralho. Só que no Rio tem praia. E a gente suportaria qualquer coisa pra fica perto dessa preciosidade da natureza. Depois de um tempo a gente, inclusive, fica amigo dos cariocas e também passa a considera-los pra caralho.

Depois de morar no Rio, mineiro não quer mais saber de outro lugar. Tem aqueles que não gostam, é verdade. Mas, ó, vou falar procês que esse pessoal é minoria. Porque esse trem de praia mexe com nosso coração de um jeito que eu não sei explicar. Nossinhora! E quando um mineiro tem que sair do Rio pra ir pra São Paulo é um sofrimento do tamanho mar.

Mas graças à Globalização, na pior da hipóteses, tanto no Rio quanto em São Paulo, a gente tem acesso a pão de queijo pra nos consolar. 


Vida e Morte D. Emília

A vida e a morte são coisa engraçada. Vão e vêm sem pedir licença. Andam uma atrás da outra, porque para que uma chegue a outra tem que ter chegado antes. E hoje, com essa tecnologia toda, ficou tudo tão banal que a notícia da morte pode chegar quando você está na fila da farmácia, enquanto espera para pagar um desodorante, por meio de um comunicado em um grupo de Whatsapp. Assim, sem preparação, sem um rodeio para ir assentando o terreno para a notícia que vem, sem um copo de água, um “você não prefere sentar?” ou um “tenho uma notícia pra te dar”.

Eu confesso que mesmo eu, que choro à toa, achei que não fosse chorar quando esse momento chegasse. Achei que estava preparada. Na verdade, vinha me preparando há algum tempo para esse dia, que poderia acontecer a qualquer momento. Afinal, a vozinha já tinha 103 anos. Foram duas Guerras Mundiais, uma Guerra Fria, o Muro de Berlim foi construído, o Muro de Berlim caiu e ela ainda teve fôlego para lançar seus últimos suspiros quando a queda deste mesmo muro completou 25 anos. Mesmo sem nem saber direito onde essa tal de Berlim fica, ela viveu enquanto tudo isso acontecia.

Ela viu a história acontecer. Viu muita gente nascer, inclusive sob seu teto. Também viu muita gente crescer sob seu teto e até viu gente morrer sob esse mesmo teto. Teto esse que não podia ser diferente, era como o coração dela: coração de mãe, de avó, de bisavó, de tataravó. E também de irmã, de tia, de sogra. Sempre cabia mais um. Difícil achar alguém na família que hoje tenha mais de 40 anos e que não tenha passado nem uma temporadazinha sequer na casa dela. Até a mim ela abrigou. Quando eu voltava da escola, meus pais ainda no trabalho, eu ficava lá, na casa dela, esperando meu pai ou minha mãe irem me buscar só mais tarde.

É a história de luta de uma mulher que superou a morte do marido, que criou os filhos e criou netos como se fossem filhos. Que sobreviveu a câncer e toda sorte de enfermidades que a idade traz consigo. Mas sempre sem perder a consciência, a lucidez, o bom humor e a capacidade de se adaptar a todas as mudanças sociais, culturais e tecnológicas que aconteciam ao seu redor (como prova, o selfie de beijinho da foto!).

Ela deixou muita gente furar sua fila na hora da morte. “Pode passar! Eu vou depois. Eu aguento.” E quando a gente achou que ela estava fraquinha, ela tirou forças sei lá de onde e se reergueu, fazendo fisioterapia e usando aparelho para respirar. Ganhou muito mais fôlego para soltar suas tiradas impagáveis e memoráveis durante mais alguns anos. Dizem que as pessoas vão ficando velhas e vão ficando rabugentas. Mas não a D. Emília.

E no fim das contas eu, que estava preparada para não chorar, chorei ali na porta da farmácia. Mas não chorei de tristeza. Chorei ao lembrar de tudo isso, ouvindo minha mãe falar ao telefone sobre as coisas que minha bisavó passou, sempre com um sorriso no rosto. Uma lição de vida pronta, em forma de pessoa. Chorei de orgulho de ter como origem aquele ventre.




A dialética da atividade física e da disposição

Dizem por aí que fazer atividade física tem o poder de deixar as pessoas mais dispostas. Como até o momento eu fui uma pessoa sedentária durante boa parte da minha passagem pelo mundo, acreditava cegamente nessa afirmação. Era dessas coisas tipo “não pode tomar leite e chupar manga porque faz mal”, sabe?! Eu nunca tinha testado pra ver se era isso mesmo, mas acreditava. Até porque, no caso da manga com leite, meu paladar já sinalizava que era melhor nem tentar (boa coisa não deveria ser).

Só que um dia a idade foi chegando e o peso na balança subiu mais que a bolsa de valores se o Aécio tivesse ganhado as Eleições. Então eu resolvi que não tinha mais jeito. Era chegada a hora de me exercitar. E, de quebra, comprovar se esse negócio de disposição era verdade mesmo.

Me recomendaram que eu fizesse a atividade de manhã, para dar disposição pro dia que estava começando. Porque se eu fizesse a noite, chegaria em casa cheia de energia e amor pra dar e demoraria a dormir. Ouvi vários testemunhos do gênero: “quando eu malho a noite chego em casa e vou cozinhar, limpar a casa, levar o cachorro pra passear. Só consigo dormir hoooooras depois.”

Segui o conselho e passei a acordar 6h30 para fazer minhas atividades. O que foi sinônimo de: acordar 6h30 e ficar de 8h às 20h bocejando de 15 em 15 minutos e sonhando acordada com um edredom e um travesseiro. Essa disposição aí que tanto me falaram eu não sei pra onde foi, não.

Vamos lá: fazendo atividade física você gasta mais energia, logo você tem menos estoque de energia para gastar ficando disposto. Portanto, a conta não fecha, certo? Você não fica com mais disposição. Você fica com MENOS disposição porque a energia do dia já foi pro saco às 7h30 da manhã. É uma luta desigual. Como se não bastasse o sofrimento para acordar cedo, ainda temos o desafio de ficar acordado o dia todo.

Queria muito encontrar quem difundiu essa crença, sabe?! Ou algum acadêmico que tenha estudado e chegado a essa conclusão. Assim eu conseguiria entender exatamente qual seria o conceito de disposição defendido pela teoria. Porque quando eu volto do exercício, às 8h da manhã, a única coisa que tenho disposição é para deitar na minha cama e dormir de novo. Até meio dia, se possível.  



Sou minei...

Eu sou mineira. Nascida e criada em Governador Valadares, Leste de Minas. Pra quem não sabe ou precisa de uma ajudinha para se localizar, o Leste de Minas fica próximo das divisas com o Espírito Santo e a Bahia. Logo, como Minas não tem mar, minhas férias sempre eram em um dos dois estados. Houve um período, que durou uns 10 anos, em que as férias foram predominantemente capixabas. Então, todo mês de janeiro eu me transformava em “mineiraba”.

Eram temporadas nos balneários mineiro-capixabas de Guriri (uma ilha da cidade de São Mateus) e Conceição da Barra. Tinha Guarapari também. Mas lá a gente costumava deixar pro pessoal de BH. Era tempo de comer moqueca capixaba e caranguejo, catar conchinha e tatuí na praia e, já na adolescência, de curtir o trio elétrico ao som de Beto Cauê. Tudo isso banhado por aqueles mares de águas escuras do Norte do Espírito Santo.

Avançando um pouco no tempo, me mudei para Juiz de Fora, cidade mineira quase na divisa com o Rio de Janeiro. Lá eu descobri meu lado “mineirana”, mineira com baiana. É que lá eles cismaram que eu era da Bahia, por conta um tal sotaque baiano que eu nem sabia que tinha. Era eu abrir a boca que as pessoas perguntavam: “De onde cê é? Da Bahia?”. E sem entender nada eu respondia: “Eu sou mineira, uai!”. É que como Valadares é pertinho da Bahia, sem perceber a gente já ia entrando no clima e pegando aquele sotaque cantado. Cantádo e líndo, como diria Caetano.

Só que o tempo em Juiz de Fora (que como eu já mencionei fica perto do Rio) já foi me preparando para o que estava por vir. Aos poucos fui perdendo o sotaque baiano e ganhando uma ginga carioca. Quando eu dei por mim, já estava morando no Rio, com direito a comprar garrafa de 1,5 litro de mate no supermercado, choppinho depois do expediente e corridinha na orla no final de semana. Ou seja, uma autêntica “mineiroca”.

Acontece que eu arrumei um namorado que em um dado momento inventou de morar em São Paulo. Aí vou eu passar os finais de semana na Terra da Garoa, na ponte aérea (na verdade era ponte rodoviária, mas tudo bem) Rio-São Paulo. Em pouco tempo eu já conhecia todas as linhas de metrô, vários bares e restaurantes da Vila Madá, o Ibira e os museus todos. Era pra paulista nenhum botar defeito. Uma autêntica "mineirista" de final de semana.

De estado em estado já "zerei" o sudeste + um estado do nordeste. Quem sabe um dia eu consigo "mineirar" tudo e “zerar” o Brasil? 


No cabeleireiro


Um dia ela acordou e decidiu que o cabelo estava ruim. Na verdade já vinha ruim há uma semana ou mais. Cansada de "bad hair day" que evolui para "bad hair week" e assim sucessivamente, ela resolveu que estava na hora de acabar com essa palhaçada e cortar o mal pela raiz. Ou melhor, pelas pontinhas.

Saiu de casa um pouco mais cedo do que o horário normal e antes de ir trabalhar passou no salão de beleza mais próximo de casa. Porque com ela não tem dessas coisas de cabeleireiro de confiança.  O negócio é praticidade, resolver o problema o mais rápido possível. Afinal de contas, cabelo cresce. E se ficar ruim, prende. Ou coloca um arco, faixa, grampo, lenço... Se de tudo ainda não estiver bom, dá uma caprichada no creme pra pentear, uma amassada nas pontas e vida que segue, como se estivesse super à vontade com aquele cabelo desgrenhado.

Obviamente, devido à sua natureza pragmática, ela não marcou horário. É sempre assim. Ela resolve de uma hora pra outra que precisa cortar o cabelo impreterivelmente o mais rápido possível. Não dá pra ligar, ver a agenda, marcar horário. Perda de tempo.

“Bom dia! Quero cortar cabelo. Tem algum profissional disponível?”

A recepcionista normalmente assusta, já que cortar cabelo é uma coisa premeditada. Ninguém acorda e de repente tem vontade de cortar o cabelo. Normalmente as mulheres pensam, refletem, hesitam e marcam horário. Mas com ela é diferente. Ela resolve na hora mesmo.

Por sorte uma dessas mulheres que tinha premeditado e marcado horário não apareceu naquela manhã. Deve ter se arrependido e não foi (esse negócio de marcar tem dessas coisas: dá tempo de se arrepender e desmarcar ou não ir). Como ela não tinha preferência de profissional, podia ser aquele mesmo que estava com o horário vago. 

O profissional, então, a encaminhou para cadeira. Ela se sentou e soltou o cabelo (a coisa estava tão feia que ela tinha saído de casa de coque). Ele perguntou se ela usava secador, chapinha ou era adepta de qualquer outra prática de ajeitamento capilar. Ela disse que não, que nem secador tinha. Ele logo concluiu que ela queria algo prático.

Então foram para o lavatório. Já de volta à cadeira da transformação o cabeleireiro foi fazendo seu trabalho. Acerta aqui, apara ali, repica a frente. Voila! Pronto! A liberdade de um cabelo novo.

Ao final o cabeleireiro dá uma ajeitada e pergunta com o que ela prefere pentear o cabelo: pente, escova...? Ela, já se levantando da cadeira, diz: “Com nada, não. Assim está ótimo!”. Há 8 anos, depois que sua escova de cabelo sumiu na republica onde morava com outras 12 meninas, nunca mais penteou o cabelo. E era feliz assim, sem secador e sem pente na sua rotina.






O que eu mais gosto de fazer

Desde pequena eu sempre fui das letras. Na escola, não sei em que ano, fiz uma atividade que pedia pra completar a frase "Na escola o que eu mais gosto de fazer é:". E eu completei a frase com "Escrever". Nunca gostei de tabuada. Até hoje, se você pedir pra responder rápido, eu vou gaguejar diante de um "7x8" da vida. Aliás, engasgarei para boa parte da tabuada do 7 e do 8.

Daí veio uma certa rejeição para com a matemática, coitada. E, consequentemente, para com a física. Mas o caso da física é bem mais grave. Inclusive gerou traumas na época do falecido vestibular. Quando fiz a prova da UFMG, em 2006, alcancei 98 pontos de 120 (pontuação que me garantiria na segunda etapa até se eu tivesse me inscrito para medicina). Acontece que era necessário acertar pelo menos cinco questões em cada uma das disciplinas. E na maldita da física eu acertei apenas quatro, o que me desclassificou. Eu, que já não gostava, passei a ter uma repulsa a qualquer coisa que remetesse a física, até um inocente velocímetro de carro.

E o vestibular em questão era para qual curso? Comunicação Social - Jornalismo. Tudo isso porque eu tinha um sonho de ser jornalista da Folha de S. Paulo. Jornal impresso, preto no branco, para fazer todos os dias o que eu mais gostava desde a minha alfabetização: escrever.

Mas onde eu quero chegar com essa história toda? É que o tempo foi passando, a Folha de S. Paulo foi ficando cada vez mais distante. E quem apareceu na minha vida? A matemática. Eram gráficos de fluxo de pessoas e veículos, métricas de redes sociais, planilhas de orçamento e fluxo de caixa, análise de resultado de campanha...

Eu, que até então era das letras, passei a ser profissionalmente dos números. E tomei gosto pela coisa. Nas horas vagas, o dia a dia corrido depois da mudança pra cidade grande, com roupa pra lavar, supermercado pra fazer, horas no trânsito e no trabalho, me afastaram do que era a minha atividade favorita. Larguei o blog de lado e, de dois em dois meses, quase que por obrigação, escrevo uma crônica para uma revista da minha cidade, a convite da minha tia.

Mas chega uma hora na vida que você repensa e pensa se está conseguindo fazer o que realmente gosta. E o que eu gosto é de tocar as pessoas de alguma forma com as palavras. E palavras escritas, vamos deixar bem claro. Porque quem me conhece sabe que eu não gosto muito de falar.

Então aqui estou eu, três anos depois, atualizando meu adormecido blog, na esperança de conseguir fazê-lo com mais frequência, ficar famosa na internet e a Folha de S. Paulo me convidar pra ter uma coluna semanal de crônicas.