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A estátua


Acordou  cedo. Mais um dia de trabalho. Ainda estava escuro. Trocou de roupa. Tomou seu café. Saiu.
Era empregada doméstica. Já estava acostumada com a função. Era bem cuidadosa. A possibilidade de estragar ou quebrar alguma coisa de algum de seus clientes lhe dava arrepios. Até aquele dia, não tinha quebrado sequer um copo. Se orgulhava disso. Porque sabia que, por mais que seus reflexos fossem bons, era meio distraída. E, num minuto de bobeira, poderia colocar seu emprego na berlinda.
Após uma hora no trajeto, chegou ao seu destino. Os donos da casa na qual estava trabalhando gostavam muito de arte. Tinham obras de artistas famosos por todos os cantos. Eram quadros, esculturas... Ela não entendia muito do assunto. Aliás, achava aqueles quadros bem estranhos. Tinha até um de um cara que ela achava o nome bem engraçado: Picasso! Como pode alguém colocar um nome desses num filho? Pensava ela. 
Daquelas obras todas, a única coisa que sabia era que custavam bem caro. Sempre pescava a conversa da patroa no telefone. Era inevitável. Só se fosse surda para não ouvir. Vira e mexe a dona da casa falava os valores pelos quais ela adquiria as peças. Valores beeeeem superiores ao salário pago à empregada. Cada vez que ela ouvia alguma coisa parecida, batia uma indignação. Por que esse quadro feio, que fica parado na parede, vale mais do que o meu esforço para realizar meu trabalho? Aquilo não entrava na cabeça dela. Às vezes tinha ódio daquela tralha toda, que aliás, só aumentava o seu serviço. Mas imaginava que se danificasse alguma, teria que pagar. E não seria barato. Por isso tomava cuidado.
Deu início às atividades do dia. Já foi tirando o aspirador de pó do armário. Limpou um dos quartos e o banheiro. Para limpar a sala, teria que pegar um outro aparelho, especial para aquele tipo de piso. Eram muitos tubos e fios. Mas não tinha tempo para ficar desenrolando. Saiu puxando um dos aspiradores sem olhar pra trás. 
Só ouviu um barulho. O coração até parou. Se lembrou de uma mesinha que ficava no corredor. Em cima dela tinha uma estátua (mais uma!). Quando olhou pra trás, viu a estátua caindo. Parece até que foi em câmera lenta. Mesmo se usasse todo o seu reflexo, não adiantaria. Estava longe. Optou por assistir ela se estilhaçar no chão. 
Quando a queda acabou, chegou mais perto para ver o estrago. Já estava preparando seu discurso para a patroa. Não sabia bem como iria explicar. Talvez falar que o aspirador ficou louco, soltou da mão dela e saiu andando, até que bateu na mesa e derrubou a estátua. É. Não era uma boa desculpa. Passou a pensar de onde tiraria o dinheiro para pagar. Parou de pensar e pegou a estátua, antes que a patroa aparecesse para ver o que causou o barulho. 
Para a surpresa da empregada, a estátua estava inteira. Ufa! Rapidamente colocou-a no lugar e continuou seu trabalho como se nada tivesse acontecido. Pouco depois, como era de se esperar, a patroa apareceu. 
-Ouvi um barulho. Aconteceu alguma coisa?
- Nada não, senhora. Eu que tropecei nos fios do aspirador e caí.
Daquele dia em diante, nunca mais puxou o aspirador sem olhar pra trás. E abriu uma poupança. Sabe lá! Sorte assim ela não teria de novo.

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